domingo, 21 de novembro de 2010

Quem se expressa não se limita

Era uma vez uma caneta vermelha em uma estante de papelaria. Chamava-se (e chamavam-na também) Escarlata, e vivia feliz em companhia de outras canetas, conversando sobre os gabaritos que iam marcar, as provas que iam corrigir, os documentos que iam assinar.

- Quero ser usada por um engenheiro - dizia uma caneta azul de R$ 1,99 - Aqueles prédios, plantas, cálculos... Ah! Que maravilha!

Com as aulas chegando, logo moleques de todas as idades brotaram não se sabe de onde e, com melodia, harmonia e ritmo, entravam e saíam da loja com toda sorte de materiais - borrachas, cadernos, réguas, lapiseiras e, é claro, nossa pequena caneta vermelha, entusiasmada com sua nova aventura.

O dia tão esperado chegou, e, assim que foi estreada (em um caprichoso "1º de Fevereiro"), percebeu que não seria tão utilizada quanto suas irmãs, azul e preta; Sua suspeita se confirmou com o passar dos bimestres: em meados de Agosto, a primeira já estava esgotada e a outra, perdida.

Enquanto o tempo passava, todos os outros materiais iam sendo substituídos, menos a solitária Escarlata, a qual era usada apenas para escrever datas,
  • sinalizar tópicos ou
sublinhar algo aqui ou ali.

Foi quando, certa hora, cansou daquela vidinha pacata: ia sair para conhecer o mundo, encontrar seu destino, "escrever" sua história. Fugiu do estojo e, logo em frente, reconheceu a Dona Régua, uma velha amiga.

- Como foi bom te encontrar! - disse Escarlata.
- Quão bom? Quer que eu meça? - respondeu a outra.
- Não será preciso. Como vai a vida?
- Uns 5,7 cm alegre, 3,8 difícil, 4,3 cm cansada, 9 cm atarefada... e uns 7,2 cm indecisa.
- Poxa! E como estão os planos para o futuro?
- Vixe... o futuro é cheio de planos, retas e ângulos. Quer a resposta em polegadas ou centímetros?
- Ah... esquece! Estava precisando de alguém que soubesse observar e apreciar o abstrato, alguém que soubesse que nem tudo é quantificável, pois estou indo em busca disso e preciso saber que medidas tomar.
- Medidas? Estou cheio delas!
- Aff. See ya.

A esferográfica continuou seu caminho por uma escrevaninha, até encontrar uma agenda e um calendário, que conversavam distraídos.

- Olá. Podem me ajudar? - perguntou.
- Desculpe, benzinho, mas hoje não há mais tempo - respondeu a agenda.
- Tente no dia 25 - sugeriu o calendário.
- Realmente. Entre as oito e nove e meia há um espaço vago - continuou a agenda.
- Não, obrigada. Preciso de alguém que não se preocupe tanto assim com o futuro, e que tenha tempo para as coisas realmente importantes. - e foi embora.

Chegando a um canto de mesa, foi ter com um corretivo e uma borracha.
- Oi! Poderiam me ajudar?
-
- Como?
-
- Não estou entendo.
-

- Desculpe. Preciso de alguém mais comunicativo. Alguém que expresse seus pensamentos, sem medo de errar.

Cansada de sua longa e improdutiva viagem, a pequena Bic já estava a ponto de voltar para seu estojo quando viu, ao longe, algo que lhe chamou a atenção: um conjunto de proteínas e água (e outras substâncias com nome difícil) com cinco protuberâncias, uma delas mais afastadas das outras - uma mão! Estava triste, solitária, debruçada sobre um almaço em branco.

Encontraram-se e dividiram as mágoas, como amigos de infância. A mão queria, simplesmente, escrever textos informais, longe do cânon estabelecido por gramáticos velhos e professoras de português sexualmente reprimidas. Queria veicular informações abstratas, impossíveis de serem presas em uma formatação ou margem. Queria dar valor às coisas importantes no tempo certo, sem uma sacralização de formalidades. Queria... escrever!

Não podendo ser outro o fim, uniram-se em propósito, casaram-se e redigiram muitos textinhos. E escreveram felizes para sempre.

3 comentários:

Unknown disse...

adorei!!!!! o texto eo blog!!!! muitos bjos

Laély disse...

Escreva sempre, pra me deixar feliz assim, para sempre...
Beijo!

Alberto disse...

Muito obrigado, Marluce, significa muito para mim. Tanto o texto quanto o blog agradecem também, e mandaram um abraço.

Agora, elogio de você, mãe... não sei se posso levar muito a sério, rsrsrsrs
Pode, deixar que vou continuar escrevendo. Outros beijos. Qualquer dia troco "escrevaninha" por "escrivaninha".